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23 de março de 2012

Crônica: Coisas ásperas

Por Fabrício Fernandes

Fabrício Fernandes
Vou dizer coisas ásperas e de olhos bem abertos. Não estou adormecido, flutuando no espaço entre o sono e a vigília. E sei que o cão indócil que late feroz quando saio à rua, sei que esse cão está morto. O cão vivo tem sua natureza. Esse que está morto fica à espreita olhando-me com seus olhos arregalados, como se tivesse me tocaiando. Como se esperasse uma súbita distração para avançar com sua fome devoradora, seus dentes enervados. Tenho medo desse cão que está morto, que é pura nervosura.

Da fome desse cão morto que quer me devorar a cada instante, dela nasce o entendimento da minha própria fome. A vontade que sinto nesse instante é a de lavar o meu corpo suarento com o mesmo volume intenso da fome de viver. De escancarar o grito para que você me escute. E antes de cruzar com o cão morto na estrada perdida, antes de ele cravar seus dentes em minha carne, antes disso salto bem na direção da flecha. Agora ergo bem firme e altivo o dorso na direção da flecha que está rasgando o meu peito, me arrancando vez por todas desse medo da morte. E pelo pequeno buraco que se abrirá em mim esgotará a minha sede de odiar. Esse buraco está aberto porque a flechada me dilacera cada canto recôndito do corpo. Ela me atravessa porque saltei na sua direção. É uma flecha que atravessa meu corpo nu, e desnudo de sentidos apenas para mim. É por esse esburacamento que se esvai todo medo de amar, os meus dias obscuros, a dor gozosa da dor, o caldo fervente que entorna todos os dias quando esqueço de dizer uma coisa áspera a mim mesmo: estou vivo! 

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